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Cinema brasileiro em risco? Saiba por que regular as plataformas de streaming é essencial

Cinema brasileiro em risco? Saiba por que regular as plataformas de streaming é essencial

Por Sandra Vasconcelos

Não é novidade que o streaming transformou o acesso ao cinema e a forma como as pessoas consomem produtos audiovisuais. O que antes exigia ir a uma locadora ou a uma sala de cinema, hoje se resume a um catálogo infinito no celular, no computador ou na televisão – disponível em qualquer lugar e a qualquer momento.

No Brasil, 76% dos lares urbanos assinam ao menos uma plataforma, comportamento que posicionou o país como o segundo maior consumidor global de vídeo sob demanda (VoD), segundo a consultoria Finder.

Por trás dessa facilidade, porém, existe uma discussão urgente: a falta de obrigatoriedade tributária para gigantes do audiovisual na internet, como Netflix, Amazon, Max e Disney+, e os impactos dessa isenção no audiovisual e na cultura brasileira como um todo. Vem entender!

Por que regulamentar?

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) afirma que apenas 10,9% dos catálogos dos streamings correspondem a obras nacionais, com produções independentes enfrentando diversas dificuldades para competir com o domínio estrangeiro em seu próprio país.

Enquanto emissoras de TV e salas de cinema pagam a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), as plataformas digitais seguem isentas, gerando uma perda anual estimada em R$ 3,7 bilhões para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Além do prejuízo na arrecadação, a ascensão do streaming impactou o cinema tradicional no país. Especialistas defendem medidas como janelas de exibição (intervalo entre estreias no cinema e nas plataformas) para reequilibrar o mercado.

O sucesso do filme Ainda Estou Aqui, indicado ao Oscar 2025 e disponível no Globoplay, ilustra o potencial econômico e a importância cultural do cinema brasileiro. Com grande repercussão, o longa movimentou pequenos comércios – que transmitiram a premiação – e salas de cinema, durante sessões especiais, mostrando como a identidade cultural pode impulsionar a economia.

Fenômenos como esse poderiam ser mais frequentes com mudanças nas obrigatoriedades tributárias atuais das plataformas. A Ancine defende a criação da Condecine-VoD, com alíquota mínima de 12% sobre o faturamento das plataformas – medida que alimentaria o FSA e financiaria novas produções.

Entre os principais impactos da taxação dos streamings estão: a ampliação do investimento em filmes independentes, o fortalecimento de plataformas nacionais como a Cardume e a Box Brazil Play, e a garantia de salários justos para trabalhadoras e trabalhadores do audiovisual brasileiro.

Em paralelo ao debate brasileiro, outros países já adotaram medidas semelhantes. Desde 2018, a União Europeia mantém uma lei que obriga as plataformas a preencherem 30% dos catálogos com produções locais. Já a França, segundo a revista Variety, exige que empresas como a Netflix invistam de 20% a 25% de sua receita no país em conteúdo francês.

A taxação dos streamings no legislativo brasileiro

A discussão sobre regulamentação teve início com a Lei 12.485/2011 (Lei do SeAC), que obriga canais de TV por assinatura a contribuírem com o FSA – sem incluir as plataformas digitais. Desde então, três projetos de lei buscaram suprir essa lacuna:

  • PL 8.889/2017, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), sob relatoria do deputado André Figueiredo (PDT-CE), propõe estender a Condecine aos streamings, com alíquota de até 6% – reduzida pela metade se 50% do catálogo for composto por filmes nacionais.
  • PL 2.331/2022, do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), prevê taxas de apenas 3% para empresas com faturamento acima de R$ 96 milhões e 1,5% para as demais. Serviços com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões ficariam isentos. O projeto já foi aprovado no Senado e aguarda análise na Câmara.
  • PL 1.994/2023, do senador Humberto Costa (PT-PE), prevê a exigência de 30% de conteúdo brasileiro nos catálogos e determina que a fiscalização seja feita pelo Poder Executivo, e não apenas pela Ancine.

Em meio às discussões no Congresso, a Netflix anunciou, em abril deste ano, um aporte de R$ 5 milhões na Cinemateca Brasileira, via Lei Rouanet. O investimento será usado para modernizar a Sala Oscarito, no histórico espaço de preservação do cinema nacional em São Paulo.

“A Netflix sempre apoiou e seguirá apoiando o cinema nacional, investindo em tecnologia, infraestrutura e, principalmente, em histórias que refletem a diversidade e o talento do nosso país”, disse Elisabetta Zenatti, vice-presidente de Conteúdo da Netflix Brasil.

O caso causou polêmica no setor audiovisual, sendo apontado como uma forma de disfarçar e demonstrar importância ao tema: “Enquanto discutimos e disputamos modelos de regulação das plataformas de vídeo sob demanda no Brasil, as empresas estrangeiras, resistentes à regulação no país, fazem lobby e constroem um discurso de ‘bem-intencionadas’. Enquanto a política pública resiste em investir na preservação audiovisual, abrindo espaço dentro do Fundo Setorial do Audiovisual, por exemplo, uma empresa estrangeira vai lá, ‘ocupa’ o lugar do poder público e passa por ‘salvadora’”, escreveu a professora e pesquisadora Lia Bahia em artigo publicado pela Cine Ninja no início do mês.

Por que precisamos conversar sobre a regulamentação do streaming?

Como você viu ao longo deste artigo, a regulamentação é essencial para a manutenção, valorização e sustentabilidade do cinema nacional. Mas, para entender ainda mais a relevância do tema, é preciso saber: quem escolhe os títulos disponíveis? Quem lucra com a exibição? E como a ascensão do streaming impacta o ecossistema cinematográfico brasileiro?

Essas e outras questões serão discutidas na próxima quinta-feira, às 19h, no terceiro aulão gratuito do Circuito de Formação Cine Ninja 2025, com Daniel Jaber.

Jaber é ator, roteirista, estatístico e um dos principais nomes do cinema independente brasileiro. Mineiro de formação eclética, ele uniu a paixão pelas artes (iniciada no balé clássico) à sua graduação em Estatística pela UFMG para criar soluções inovadoras no audiovisual.

Em 2019, fundou, junto a Luciana Damasceno, a Cardume, primeira plataforma de streaming dedicada exclusivamente a curtas e médias-metragens brasileiros. Hoje, a Cardume reúne mais de 190 filmes premiados e reinveste parte dos lucros nos próprios produtores.

Daniel Jaber integra o debate sobre a urgência da regulamentação do streaming e seu papel na garantia de políticas públicas que preservem a diversidade, a soberania e a sustentabilidade do audiovisual nacional. As inscrições são gratuitas e seguem abertas.

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