A invisibilidade das narrativas sáficas negras no cinema

Por Milene de Souza de Espindula

A representação LGBTQIA+ no cinema tem avançado nas últimas décadas, mas, quando focamos especificamente em histórias sáficas com protagonismo negro, o cenário se revela desoladoramente escasso. Esta matéria investiga os motivos por trás dessa invisibilidade e busca identificar as cineastas sáficas negras que estão, apesar de todas as barreiras, construindo suas narrativas. A interseccionalidade entre raça, gênero e sexualidade no cinema enfrenta camadas múltiplas de exclusão. Enquanto filmes como Moonlight (2016) trouxeram protagonismo negro em narrativas gays masculinas para o mainstream, as histórias de amor entre mulheres negras permanecem marginalizadas. Essa ausência reflete um apagamento histórico que combina misoginia, racismo e lesbofobia.

Robin R. Means Coleman, em sua análise sobre representação negra no terror, já havia identificado como personagens negros eram frequentemente relegados a estereótipos ou posições coadjuvantes. Quando aplicamos essa lente às narrativas sáficas, o quadro se torna ainda mais complexo — as mulheres negras LGBTQIA+ enfrentam a tripla marginalização de serem negras, mulheres e sáficas em uma indústria que privilegia histórias heteronormativas brancas. A cineasta Yasmin Thayná, diretora do aclamado curta Kbela (sobre a relação das mulheres negras com seus cabelos naturais), destaca que “o cinema brasileiro ainda é um clube fechado”. Para cineastas sáficas negras, os obstáculos são ainda maiores: falta de acesso a financiamento, redes de produção dominadas por homens brancos heterossexuais e a constante pressão para adaptar suas histórias aos moldes do mercado.

The Watermelon Woman (1996), de Cheryl Dunye: um farol para o cinema negro e sáfico

Em um cenário cinematográfico que historicamente apagou narrativas negras e lésbicas, The Watermelon Woman (1996) emerge como um ato radical de existência e resistência. Dirigido, escrito e protagonizado por Cheryl Dunye — a primeira cineasta negra lésbica a dirigir um longa-metragem nos EUA —, o filme não apenas preenche lacunas históricas, mas as reinventa com humor, ironia e uma crítica afiada às estruturas de poder que silenciam vozes marginalizadas.

A trama, que mistura ficção e documentário (“Dunyementary”), segue Cheryl, uma jovem cineasta negra e lésbica, em sua busca para desvendar a identidade de “The Watermelon Woman”, uma atriz dos anos 1930 relegada a papéis racistas como “mammy” e creditada apenas como um estereótipo. A jornada espelha a própria luta de Dunye: ao não encontrar registros de atrizes negras lésbicas em Hollywood, ela cria Fae Richards, uma personagem fictícia que sintetiza as vidas apagadas de figuras como Hattie McDaniel e Butterfly McQueen. A mensagem é clara: quando a história nos nega, inventamos nossa própria.

Produzido com um orçamento mínimo (US$ 300 mil, parte financiado por uma polêmica bolsa do NEA), o filme enfrentou resistência até de políticos conservadores, que o chamaram de “pornográfico” por cenas de afeto lésbico. Mas sua ousadia abriu caminho para que cineastas negras e LGBTQIA+ contassem suas próprias histórias, sem concessões. Dunye não apenas critica a falta de representação, mas expõe o racismo dentro da própria comunidade queer, como na cena em que a protagonista é questionada por se relacionar com uma mulher branca (Diana), revelando tensões raciais até em espaços supostamente progressistas.

Vinte e cinco anos depois, The Watermelon Woman permanece um marco do New Queer Cinema e um manual de como subverter a narrativa dominante. Sua influência é visível em obras como a série Dear White People (Cara Gente Branca), que Dunye posteriormente dirigiu. Para cineastas lésbicas negras hoje, o filme é um lembrete poderoso: a falta de arquivos não é um impedimento, mas um convite para reescrever o futuro. Como dizem os créditos finais: “Às vezes você precisa criar sua própria história.”

The Watermelon Woman está disponível para assinantes no Prime Video.

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